A aventura é antiga, mas as lições da estrada são eternas
Por Cicero Lima com fotos e relato Paulo Abud
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Paulo e sua inseparável Yamaha XT 660, companheira em diversas aventuras |
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reprodução Duas Rodas |
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Paulo Abud é um daqueles viajantes “casca grossa” que sempre rodou de moto pelas estradas do Brasil e da América do Sul. Em seu currículo não faltam lugares fantásticos e desafiadores.
Há dez anos Paulo resolveu percorrer as estradas da Bolívia e vivenciar de perto o incrível céu do Salar de Uiuny entre outras atrações do país vizinho.
Enquanto encaixava as bagagens na sua Yamaha XT 660, já tinha um roteiro na cabeça. Rosangela, sua esposa, ganhou um beijo e se despediu enquanto o valente motor da Yamaha foi acionado, Paulo partiu de Atibaia (SP). Rosangela nem imaginava que, em breve, seu marido enfrentaria um dos maiores desafios nas montanhas do país vizinho.
Desconhecido
Até então, Aurélio Machaca era apenas um dos 11 milhões de habitantes da Bolívia. Assim como muitos outros trabalhadores, tirava o sustento da família nas minas de estanho na região de Oruro, distante 330 km de Sucre, capital do país vizinho.
Paulo e Aurélio ainda não se conheciam e tinham apenas o uso da moto em comum. Aurélio usava o modelo Braho 250, que lembra a nossa Honda Bros, no deslocamento na sua região e sempre cruza a Ruta 6 – que liga Oruro e Sucre.
Por enquanto, deixaremos Aurélio e lado e vamos nos concentrar na viagem de Paulo. “Sempre desejei conhecer a Bolívia, já havia rodado pelo Chile, Argentina, Uruguai, mas sentia curiosidade em conhecer o Salar de Uyuni – o maior deserto de sal do planeta. As montanhas, vulcões e o povo boliviano nutriam a curiosidade do experiente aventureiro, à época com 55 anos.
Para saciar o desejo Paulo partiu em outubro de 2015 enfrentando o calor da primavera nas estradas em direção ao Paraná, principalmente nas cidades já próximas à fronteira com o Paraguai. Rodou pelo norte daquela nação sob temperaturas elevadas, cruzando a região do charco com suas longas e monótonas retas de pouco movimento.
Paulo percorreu estrada poucos conhecidas do Paraguai |
Seguiu pela Ruta 81, uma estrada paralela a Ruta 16, porém pouco utilizada que liga as províncias de Salta e Formosa. É mais tranquila, mas o problema são os bichos “peru, porco, cavalo tem de tudo atravessando a pista”. Ele se hospedou em cidades pouco conhecidas como Ingeniero Juárez, depois Embarcación, às margens da Ruta 34. “Desci em direção a Salta, mas virei antes pra subir passando em frente à saída do Jama, até La Quiaca”, lembrou Paulo.
Junto com a bagagem levava em sua Yamaha XT 660 a vontade de passar por lugares como por Chacaltaya, Carretera de la Muerte. “A Bolivia tem muito pra ver”
Paulo foi pelo Salar, conhecido como o “Mar de Sal” em direção a Hauri depois Jirira, aos pés do vulcão Tunupa – o cume, sempre nevado, que está a 5.300 metros acima do nível do mar.
Lugares exóticos ao norte da Argentina, "pouca gente passa por lá" |
Destinos cruzados
A Ruta Nacional 6 serpenteia as montanhas na ligação entre Sucre e Oruru. Apesar da importância da rodovia, o fluxo de veículos era baixo e a noite caia de forma lenta assim como a neblina que envolvia as curvas e pedia moderação na aceleração. “Lembro que estava em quarta marcha, para a corrente de transmissão não ficar batendo na balança”. Era uma noite quente, Paulo contava apenas com o farol da XT 660 para superar a neblina e a escuridão.
Foi então que os destinos de Paulo e Aurelio finalmente se cruzaram. Vale lembrar que Aurelio leva a vida dura de um minerador e tinha na bebida um certo alento. Naquele começo de noite, apesar de estar com o neto na garupa, a bebida foi sua companheira. Uma companheira que cobraria seu preço. Desatento, sob o efeito da bebida, Aurélio cruzou a estrada sem prestar atenção e foi colhido pela XT 660, que surgiu em meio a escuridão.
Aurélio no hospital... |
“Lembro de ver a moto parada a pouco metros, do barulho do impacto e do meu voo em direção ao asfalto”. Paulo recorda que levantou atordoado, sentiu os ossos da clavícula raspando, o pulso e algumas costelas também estavam fraturados. Ao chegar perto da moto, viu o minerador desacordado em meio a uma poça de sangue e pensou que o pior havia acontecido.
...ao lado de Paulo |
Por fim foram levados para o mesmo hospital onde dividiam o mesmo ambiente e teve início uma nova saga na aventura. Ao acordar Paulo se deparou com dois polícias e pergunto se poderia fazer uma ligação para agilizar sua volta para o Brasil em busca de melhores condições. Aí ficou sabendo que não poderia deixar o hospital pois estava sob custódia, até provar que não teve culpa no acidente.
Sob custódia da polícia boliviana |
Ele passou pelo bafômetro que não acusou consumo de álcool. Nessa hora Paulo pediu que a polícia fizesse o teste em Aurélio que, no local do acidente demostrava sinais de embriaguez.
Paulo conseguiu falar com os parentes no Brasil e teve início uma batalha para ser liberado pelo juiz no hospital enquanto seu filho cuidava das questões do seguro para trazer o pai de volta ao Brasil.
Era sábado pela manhã e o juiz só estaria na segunda feira no hospital. Enquanto isso Paulo teve o apoio dos integrantes do Rider´s da Bolívia que intermediaram as questões burocráticas e tiraram sua moto do pátio.
Rider´s da Bolívia ,apoio fundamental |
Apesar das dores e do prejuízo, Paulo simpatizou com a família de Aurélio. “Uma gente simples, são mineradores que vinham falar comigo e pedir desculpa pelo acidente”. Na terça-feira, quando o juiz finalmente assinou o alvará de soltura teve início seu retorno ao Brasil.
Paulo recorda que por mais complicada que seja a situação é preciso ter calma, respirar fundo e lembrar que você está em outro país. “Não adianta se desesperar e achar que consegue as coisas no grito, tudo só piora”.
Não bastasse isso, o seguro contratado por Paulo só oferecia o reembolso de despesas. “Ao contrário do prometido, tive que me virar e depois cobrar, naquela situação nem conseguia me mexer para pegar uma carteira e pagar o Raio-X, por exemplo”.
Por fim a moto ficou na Bolívia e a empresa seguradora emitiu a passagem e o voucher do hotel. A moto ficou na Bolívia e alguns meses depois Paulo voltou para buscá-la de junto com um amigo de Van – mas essa é outra história que merece uma reportagem à parte.
Mar de Sal na Bolívia, destino que mereceu ser visitado |
Paulo lembra que o imprevisto sempre está em nossa garupa. “Tive sorte de não ter ingerido uma gota de álcool durante o dia, caso contrário, estaria em sérios apuros com a justiça boliviana”. Ele também alerta sobre os detalhes na contratação do seguro de viagem, para não ter surpresas desagradáveis se precisar usá-lo. Apesar de tudo Paulo ainda tem vontade de viajar pela Bolívia e conhecer as muitas atrações do país vizinho.