domingo, 29 de agosto de 2021

Uma Honda Tornado na terra dos Ursos

 Confira a história contada por uma velha Honda Tornado que rodou mais de 30 mil km para levar seu dono até o Alasca

Por Marcelo Gubert Fotos Arquivo Pessoal

nota da redação: a matéria foi publicada originalmente na Revista Duas Rodas 


Sou uma Honda Tornado e meu dono é o Marcelo Gubert. Ele tem 34 anos e, assim como eu, adora viajar. Fui fabricada em 2007 e, quando cheguei na concessionária ele foi me buscar. Marcelo é tecnólogo em eletromecânica e produtor rural, muito sistemático, atencioso e apaixonado por mecânica. Naquela época eu nem imaginava o tamanho da nossa parceria. Em 2011 ele veio com um papo de ir até o Alasca. Eu sabia que  outras motos já foram até lá, mas no começo, fiquei até meio intimidada. Eu já estava com 100.000 km no painel de outras andanças que fiz com o Marcelo. Sim, 100.000 km em menos de quatro anos. Gostamos de rodar!


Antes da viagem ganhei uma revisão completa, o Marcelo cuida muito bem de mim. Desmontou cada parafuso. Trocou a corrente de comando e alguns retentores por precaução. Limpou e lubrificou cada rolamento e cada pino meu. Descarbonizou e alinhou os anéis do pistão, minha camisa estava um brilho! Também ganhei pneus e relação novos. O Marcelo bolou um esquema pra levarmos combustível extra. Com umas barras de alumínio e poucos parafusos fixou dois galões plásticos de 5 litros nas minhas laterais. Agora eu tava me sentindo uma Maxi trail: tinha autonomia para 500 km. 


Em maio de 2011 saímos de casa, em Medianeira, no Paraná. Da minha garagem no interior do Paraná até a Colômbia o ritmo foi firme. Demoramos nove dias para chegar a Bogotá. A gasolina da Argentina é boa mas eu não gostei da 98 octanas. Dei umas falhadas nas retomadas e pedi pro Marcelo usar a 92. Rodamos nesse trecho uma media de 800 a 1.100 km por dia, das cinco da manhã até as sete da noite. Marcelo tem uma tocada tranquila, não passamos dos 100 km/h e só paramos pra algumas fotos, pra abastecer ou pra ele tomar algum refrigerante. Nosso ritmo de viagem foi constante. O Marcelo quase nunca corre, mas foi comum entre as viagens ficarmos 12 a 14 horas por dia rodando. Nosso prazer é estar na estrada de sol a sol. Todos os dias saíamos ainda escuro pra amanhecer na estrada.


Entre 2009 e 2010 o Marcelo já tinha me pilotado nos países da América do Sul. Lembra dos 100.000 kms? Então; eu não gosto de passar duas vezes pelo mesmo caminho, coisa de Tornado sabe? Mas nessa viagem tivemos que repetir alguns caminhos. Sofri um pouco nos Andes Chilenos e com o vento da costa Peruana. No Equador tem muitas curvas radicais e uns vulcões irados! Em Quito trocamos o óleo e filtro. Marcelo Não deixa mecânico estranho colocar a chave em mim! Ele usa óleo mineral de boa qualidade e substitui o filtro toda vez. “Óleo é dinheiro a juro” ele me diz. 

Virei carga

Quando chegamos em Bogotá me disseram que teríamos que voar num cargueiro até o Panamá. Eu até queria ir por Darien (ligação por terra entre Colômbia e Panamá), mas o Marcelo disse que estava perigoso por aquelas bandas. No cargueiro tinha muita mercadoria e até dois cavalos. O cachorro farejador da aduana carimbou minha roda dianteira e o voo não foi dos melhores, chovia e balançava tudo naquele avião.

 


Gostei muito do Panamá! O único lugar que vimos placas dizendo “Reasuma la velocidad” (veja na foto) e rodar é o que mais gostamos de fazer: Como dizem por aqui, ‘llantas adelante’. Nossa tocada na América Central foi suave. Pouca distância entre vilarejos e polícia pra todo lado. O Marcelo sabia que não podia infringir leis, senão eu ficaria num pátio de delegacia sozinha e depois do medo no cargueiro nós queríamos mesmo era estrada!


Nicarágua, Honduras, El Salvador. Cada aduana eu ficava horas parada na fila enquanto o Marcelo fazia meus documentos de importação temporária. Volta e meia vinha alguém tirar meu decalque do numero de chassi. Em todo lugar as perguntas eram parecidas:

 “?eres una Honda dos cincoenta?”

“?viene de Brasil en esta moto chica?”

“?cuanto custa una Tornado em Brasil?” (risos. Quem viaja sabe que vivem perguntando isso)


Entramos no México e meu pneu traseiro estava ficando careca. Já tínhamos rodado mais de 10.000 e sobre o banco havia muita bagagem. Minha carga entre combustível e peças de reposição passava de 35 kg. O Marcelo tinha jaqueta, uma calça e duas cuecas: uma pra ida, outra pra volta. Não gostei da gasolina mexicana. Muito cara e misturada com um etanol estranho. Eu tentava não engasgar, mas entre uma retomada e outra as vezes tossia um pouco. No geral não tive problemas. Nada de vazamentos, minha corrente teve desgaste normal pois estava sempre lubrificada e com a tensão perfeita. Spray de óleo fino nas partes móveis e no chassi pra eu não oxidar. Graxa e óleo viscoso na corrente todas as noites no estacionamento do hotel. 

Perto de Puebla um pneu traseiro estava levemente vazio. O Marcelo tem uma sensibilidade muito grande pra isso, está sempre me olhando e sentiu numa curva que a traseira dançou um pouco. Paramos num posto policial logo em frente e resolvemos isso. Tínhamos tudo na bagagem: cavalete de alumínio pra me erguer, duas câmaras de ar novas, bomba de encher. Não ficamos abatidos porque estávamos trocando um pneu furado, mas, no México! Dias depois tivemos que comprar um pneu traseiro novo, “hecho em Mexico”, sorte que não tinha muita pimenta... rsrsrsrsrs

Finalmente 


A aduana dos Estados Unidos foi mágica, “Hello tio Sam”! Eu já via placas da Chevrom do outro lado. Os “cops” revistaram tudo. Pediram ate pra tirar meu banco pra ver se havia armas ou drogas escondidas em mim. Deu até vontade de responder: “Take easy Sir... keep calm and Road, Road!”

Dias depois estávamos no Arizona, nela mesma: a lendária Route 66. Lugar das Harleys, dos estradeiros... e eu, uma 250cc made in brazil ali! Me escorreu uma gota de óleo no cavalete lateral (emocionada). Uma Trail pegando no peito o vento dos desertos americanos. Foi Emocionante! As custons e choppers passavam por nos roncando forte e nem imaginavam de onde vínhamos ou para onde iríamos!

Não imaginava quanto os americanos gostam da minha marca. No Brasil sou uma simples Honda trail, mas lá era uma estrela. Os gringos arregalam o olho me olhando: “Two fifth? Uowww!!! I sow a Gold Wing”. Pensava comigo guarde suas milhares de cc a mais. Nós só temos 249 cc e estamos aqui.


Por uns dias viramos turistas. Rodamos pertinho do Grand Canyon, entre Sequoias gigantes, não vimos o Guarda Smith nem o Urso Catatau. Rodamos na Strip em Las Vegas, Golden Gate, Pacific Highway 01. O Marcelo gritava dentro do capacete o tempo todo: “Pobre, mas o cafezinho é doce!” Ele estava muito feliz. Eu sentia isso quando parávamos para alguma foto. Ele explorou meus melhores ângulos; todos! Quando saímos de casa ele conversou serio comigo, teríamos pela frente uma aventura mítica. Não é qualquer moto que vai do Brasil até os EUA. Então combinamos o seguinte: “Sobe ai, acelera e vamos!”



Quase no extremo norte dos EUA o frio começou apertar. Pela manhã eu precisava de uma água quente sobre motor pra não forçar muito a bateria na partida. Nesse ponto o Marcelo foi incrivelmente atencioso. Fazia tudo com perícia pensando na minha durabilidade. A cada seis  ou sete mil km trocávamos óleo e filtro. Calma, não se assuste. A recomendação do Fabricante não é essa! Portanto, não tente fazer isso em casa. Nosso ritmo de viagem era diferente. Na América do Sul a média era 900 km por dia, na América Central 450 km no México e Estados Unidos 600 km a cada dia. Basicamente era uma troca de óleo por semana e o Marcelo sempre deixava meu nível um pouco acima do máximo. Com mais óleo no cárter a degradação do lubrificante era mais lenta. Além disso, ele sempre conferia filtro de ar, regulagens de freio, cabos, espias. Trocamos a vela na Califórnia por precaução pra nunca forçar minha bobina. Sou uma 250cc, mas gosto de funcionar com harmonia. 

Entramos no Canadá em um domingo e outra vez furou o pneu traseiro. Paramos pra trocar no pátio de um banco numa cidadezinha igual dos filmes que víamos na TV. Logo chegaram três carros de policia para ver o que havia. Enquanto o Marcelo fazia amizade com os ‘Cops’ eu tava ali, calçada no cavalete de alumínio e o Ford Crown Victoria da viatura piscava pra mim... (risos) 


Até então quase não tínhamos rodado na chuva, mas no Canadá ela chegou com força. Vários dias nublados, extremamente frios, garoando o tempo todo. Com pavimento molhado não tem relação que dure. A minha começava a bater e o Marcelo decidiu substituir por uma nova que trazíamos e deixar essa usada na bagagem ainda ‘utilizável’ para um caso de emergência. Estávamos do outro lado do mundo e seria muito prudente termos um “plano B” para certas adversidades. 

Ursos

Ursos são incríveis: o primeiro que vimos no alto de uma montanha, paramos... O Marcelo montou o tripé da câmera, puxou todo o zoom “olhaaaa, um urso!”

No segundo dia, “olha... mais ursos!”. Dias depois era urso pra todo lado tinha que buzinar para ursos, bisão, veado e carneiros selvagens. 

Estávamos rodando na Alaska Highway. Emocionante. O ritmo era o mesmo 90 a 100 km/hora. Pra que a pressa jovem? Queríamos que aqueles quilômetros. A vantagem da paixão por viajar é saber que a cada quilômetro da ida, haverá outro na volta.


Planejamos chegar em junho quando o sol fica no horizonte praticamente o tempo todo.  Chegamos em Watson Lake onde está a Forest Sign e não achamos local para pernoitar, tudo lotado. Marcelo encheu o tanque e a chuva parou e voltamos para a estrada. A todo instante havia placas informando o que próximo posto estava a 250 km. Isso me deixava excitada: quanto mais deserto melhor!

Seguimos com o sol quase tocando o horizonte, mas era quase meia noite. Por alguns instantes escureceu e a tocada foi mais leve, entre 60 e 70 km/hora. Perto das quatro da manhã chegamos a Whitehorse, abastecemos e seguimos em frente para fechar 24 horas de viagem sem parar. O dia estava lindo e não queríamos parar para dormir. Café para o Marcelo. Gasolina novinha pra mim. Rodamos até as três da tarde quando chegamos em Beaver Creek, a última vila antes do Alasca. Estávamos longe de casa, praticamente 50 dias viajando e fizemos nosso Iron Butt pessoal: 32 horas pilotando por 1.793 km. Foi cansativo, mas vencemos!


No dia seguinte a cereja do bolo, a fronteira com o Alasca. Centenas de foto na placa que tanto imaginamos. Estávamos no Alaska! O Marcelo me olhava com os olhos cheios de lagrimas. Gritava pra mim: “Olha onde estamos! Olha onde estamos?” Eu tinha alguns vazamentos e estava imunda. Tinha um pouco de gelo no meu painel. O agente da aduana carimbou um urso no passaporte do Marcelo e saiu da cabine pra me ver. “Did you came from Brazil until here on this bike?” Confesso que nem eu estava acreditando. Foram quase 50 dias sozinhos, eu e o Marcelo. 

Seguimos a Fairbanks e lá a noticia triste. Muita chuva em direção a Prudoe Bay e hotéis lotados com viajantes ilhados lá. Achamos prudente voltar. Já havíamos conquistado a última fronteira ou “the last border” como dizem por aqui. Vamos aproveitar o caminho de volta.



Caminho de volta

No retorno mudamos o caminho e passamos pelo interior do Canadá e o centro dos Estados Unidos. Sempre desviávamos cidades grandes. Prefiro rodar por vias locais e vilarejos. Não gosto de Correr. Sou uma Tornado: não tenho pressa, mas também não paro!

A tocada leve do Marcelo nos fez chegar aqui com segurança. O segundo pneu estava quase acabando no meio dos EUA. Achamos um pneu dianteiro de Harley, aro 18 polegadas, que serviu na minha traseira e seguimos até Miami, na Flórida na costa leste. 

Como o Marcelo tinha compromissos no Brasil o melhor foi me despachar. Lá fui eu novamente para o porão de um avião e voltei para o Brasil toda desmontada. Em Miami meu painel somava 33.000 km desde que saímos da minha garagem. Passamos por 13 países só nessa viagem. Mesmo cansado o Marcelo nunca descuidou da minha manutenção. Não tivemos nenhuma queda e não precisamos de auxilio de terceiros. 


Depois desta viagem vieram outras. Fomos até Ushuaia, no extremo sul da Argentina, outras vezes até a Patagônia, no Chile, e muitas aventuras pelo Brasil. Hoje estou com 230.000 km no painel, claro que não tenho mais aquele pique, mas não penso em parar. Até a próxima!


sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Viagem de um dia para conhecer a Serra do Lopo, em Extrema (MG)


Para você o que é liberdade? Trabalhar muito, ficar rico e desfrutar do luxo? Ou apenas arrumar a mochila e sair pelo mundo sem preocupações?  Concordo que a resposta não é fácil. Penso que liberdade também é seguir por qualquer caminho. 

Com essa ideia na cabeça parti para uma viagem curta, fazer um bate e volta até cidade mineira de Extrema. Pela rodovia Fernão Dias, a BR-381, é rapidão. Partindo de São Paulo você rodará somente 115 quilômetros. Como eu moro em Atibaia, fica ainda mais fácil.

Prepare as moedas, são duas paradas de pedágio, quando fiz o roteiro o valor de cada é de R$ 1,15. Aconselho levar trocado no bolso e parar o mínimo possível na cabine, afinal, moto e pedágio não combinam. Até publiquei um vídeo sobre esse tema no meu canal Moto Escola, veja abaixo. 


Terra de extremenses

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) menos de 40 mil pessoas moram em Extrema e, quem nasceu lá, é extremense. Legal essa denominação EXTREMENSE. Gostei. Além de nome peculiar, a cidade é repleta de atrações para quem gosta de aventura e comida boa.

Um dos destinos mais populares é a Serra do Lopo. Lembra que no começo do relato eu falei de liberdade? Pois é, isso está ligado ao veículo que escolhi: a scooter Honda ADV. Com ela estava tranquilo em relação ao tipo de estrada que pegaria para subir até o topo da serra e chegar nas rampas de decolagem.


Chegando na cidade, passando a rodoviária, bastou seguir as indicações e, após atravessar um bairro, estava no pé da subida. Não tem erro, mas prepare-se para rampas inclinadas. São sete quilômetros e a pista vai alternado entre calçamento de pedras, asfalto ruim e terra. Posso dizer? Foi uma diversão curtir o funcionamento da suspensão do valente ADV naquela manhã de sexta-feira quando estava praticamente sozinho na estrada.


Entre uma parada e outra (para captar imagens) é possível ouvir o som de pássaros e macacos que habitam as matas. Lá no alto (são 1.600 metros) o visual é incrível. De um lado, você enxerga a cidade com várias indústrias ao redor. Do outro é possível ver a represa do Jaguari e as montanhas da Serra da Mantiqueira.

Mineralizei

Depois das fotos e bater um longo papo com o Alemão - mecânico de motos da cidade, que conheci na rampa - era hora de descer e matar a fome. Numa cidade mineira, é obrigação buscar comida boa, típica da região.
Em Extrema minha dica é o Armazen Bertolotti. Comi um prato mineiro (com direito a linguiça, tutu, arroz, couve, ovo e claro, aquele PEDAÇÃO de torresmo. Segundo eles, o melhor do mundo... Depois o incrível pudim de leite. Na minha opinião, um dos melhores que já provei. 

Barriga cheia, pé na areia

Depois o almoço, subi no ADV rumo a Atibaia - minha cidade. O consumo de 40 km/litro e os pedágios baratos (no caso de Atibaia, apenas um) faz desse roteiro uma opção bem interessante para quem deseja gastar pouco e curtir muito. Na minha opinião, isso também é liberdade. Veja no vídeo

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